8 de março de 2011

Nightmare

''O veneno escorreu lentamente para dentro da ferida aberta. 
Não havia como escapar, não havia porque escapar. Sentiu o sangue úmido e quente em seus pulsos, onde as algemas a apertavam. Sentiu o gosto de dor na boca. Sentiu suas pupilas sendo dilatadas pelo medo inconfessável. Sentiu que sentir deixava, aos poucos, de ser uma realidade. 
Abriu os olhos e viu aquelas marcas na parede. O que significariam? Os restos de sua refeição jaziam espalhados pelos chão, apenas migalhas. Um banquete de migalhas. Tentou se lembrar de quantas vezes a lâmina afiada havia passado por sua pele, mas sequer lembrou se havia uma lâmina. 
Tentou forçar as correntes, e a dor foi tão intensa dessa vez, que seu corpo se encolheu em protesto, e seus músculos deixaram de obedecê-la. 
A porta do quarto sujo se abriu, e a luz, como um jato de água, fez lágrimas escorrerem em abundância de suas órbitas maltratadas. Quando conseguiu enxergar novamente, não havia nada para ver. Apenas luz. Uma luz triste, cinza, opaca. Uma luz da qual ela queria fugir. 
O veneno agora se espalhara por seu corpo, e a luz estava cada vez mais próxima. Cada vez mais próxima. Sentiu seu corpo flutuar. A luz a estava erguendo, levando a para fora do quarto escuro. Mas ela não queria ir, porque a luz era triste. A luz era morte. Ela queria ficar. A luz a carregava para a porta... a dor se intensificou... ela queria gritar.. queria falar.. mas não conseguia.. não poderia.. era a morte... era a morte...'' 

A menina acordou sobressaltada. O suor empapando seu travesseiro, embora suas mãos e pés estivessem frios como gelo. "É só um pesadelo", ela disse ao seu coração, na tentativa de fazê-lo desacelerar um pouco. Fechou os olhos, embora não pretendesse dormir mais, ela só queria a segurança da escuridão. Só queria ter a certeza de que sempre poderia voltar para ela.. sem interrupções de luz alguma. Só ela e a escuridão.  

7 de março de 2011

Feliz Aniversário.

A lágrima se libertou, caindo inutilmente sobre suas mãos trêmulas e frias. 
A foto brilhava na tela do computador, escondendo um rosto á tanto ignorado. E a sensação de perda a consumiu. O momento veio e passou, quase imperceptivelmente. Mas, no futuro, o arrependimento o transformaria em um grande e inegavelmente longo instante. 
Feliz Aniversário, menina. 
O líquido estava frio, porém seguiu queimando tudo por onde passou. Mas o calor não chegou em sua voz. A frieza de seu olhar e movimentos também permanecera inalterada. Fechou os olhos. Lembrou-se do toque suave de mãos que partiram mais cedo. Era por aquilo que vivia agora, por mais piegas que isso lhe parecesse.
E ela começava a não merecer aquilo.Se olhou no espelho enquanto bebia mais um gole da garrafa, e viu que não era boa o suficiente para merecer. Tantos problemas, tantas complicações. Era exigir demais. Mas seu egoísmo disparou rajadas de autodefesa, e ela não se permitiu pensar mais naquilo. Ela precisava daquele amor, não abriria mão dele. 
Olhou novamente para a tela do computador, a foto continuava lá, reluzindo. Uma farsa. Três mulheres que sequer se conheciam, mesmo vivendo juntas á tantos anos. Trajando a mais vagabunda das fantasias de felicidade e união. Tudo tão injusto. Tantos sacrifícios por nada. Absolutamente nada. Só decepção, de todas as partes. Mentiras e farsas. Farsas e mentiras. 
Feliz Aniversário, menina.
Alguém entrou no quarto e a abraçou, alguém por quem valia a pena sorrir. Ela estaria ali naquela noite, estaria com ela, libertando-a da obrigação de sair e conversar com outros. Era bom tê-la ali. Ela queria se sentir amada. E, talvez, ninguém a amasse tanto quanto aquela menina que ela pegara no colo e vira crescer e se tornar sua melhor amiga. Seria melhor se fosse outra pessoa, seria melhor se fosse o amor de sua vida, mas ela estava acostumada á se contentar com o bom. 
18 anos negando a si mesma, 18 anos sobrevivendo. "Meus parabéns" zombava a Vida, sabendo que ela ainda não a havia desfrutado. 18 e tão pouco tempo.  
Feliz Aniversário, menina. 
Alguém ainda lembra dos planos? Eram tantos. Casas, apartamentos, filhos, cachorros. Juntas. Amizade eterna. Festas. Hoje, somos um grupo de estranhas, que tentam manter um fraco tecido, que se desgasta cada dia mais.  
Feliz Aniversário. 

Vontade de dormir
Fios de oiro puxam por mim
a soerguer-me na poeira —
Cada um para seu fim,
Cada um para seu norte...
.....................................................................
— Ai que saudade da morte...
.....................................................................
Quero dormir... ancorar...
.....................................................................
Arranquem-me esta grandeza!
— P’ra que me sonha a beleza
Se a não posso transmigrar?.
                                                  Mário de Sá-Carneiro