19 de janeiro de 2010

Auto-Retrato

Lá estava ela, uma casa escura, envelhecida pelo tempo. Aparentemente bem estruturada, com sua arquitetura um tanto quanto diferente, mas encantadora em sua essência.
Suas janelas e portas estavam sempre fechadas, lacradas. Não se eram permitidas visitas ali. Apesar de se manter imutavelmente fechada, a casa exercia uma atração nas pessoas, ela era peculiarmente hospitaleira. Toda e qualquer pessoa que passasse tempo suficiente em frente aquela casa não resistiria a tentação de sentar-se naquela acolhedora varanda e ficar ali. Apenas ficar. Essas ingênuas pessoas falavam com a casa, contavam todas as suas amarguras, seus anseios e desejos mais profundos. Se sentiam seguras em falar com ela, para ela.
A casa era uma excenlente ouvinte, alguma madeira rangia ocasionalmente, exclamando nos momentos corretos, canos  reclamavam rabugentos e imperiosos, mas ainda assim, compreensivos. Era muito fácil se apegar aquela casa, não há dúvidas. Regularmente as pessoas faziam-le pequenos agrados, pintando-lhe paredes e portas, colocando-lhe flores nos parapeitos das janelas fechadas.
Havia os que se achavam tão íntimos da casa, tão envolvidos por suas singulares atrações, que, em um furor de insanidade, tentavam (inutilmente) a todo custo abrir aquelas portas, ao menos uma fresta, uma espaço infinitesimal que fosse.
Pobres criaturas, a casa não se deixaria abrir, não se permitiria expor. Não suportaria estar daquela  maneira tola e vulnerável que aquelas pessoas se permitiam ficar. Ela não suportaria a idéia daqueles indivíduos que se diziam tão fortes, mas que eram estupidamente fracos em sua natureza adentrassem em seu frio e úmido patamar, subissem em suas escuras escadas, desbravassem seus quartos mais profundos, suas gavetas mais secretas.. Não! isso não aconteceria.
A casa continuaria ali, rangendo sobre suas vigas descaradamente fortes, ruindo sob tempestades ininterruptas. Envelhecendo, apodrecendo, se desgastando. Mas não se abriria, nem que disso dependesse sua vil existência na terra. Não. Nunca. Permaneceria fechada, por toda a eternidade.