13 de novembro de 2009

Lembranças


Mais uma vez ela tinha sua cabeça sobre seus seios. Mais uma vez suas pernas estavam entrelaçadas. Mais uma vez ele acariciava daquela forma singular sua barriga. Ela sentia que poderia ficar ali, deitada com ele, assistindo uma baboseira qualquer na TV, por toda uma eternidade. Poderiam ancorar, criar bolor.
Fazia algum tempo que não se viam, mas nada entre eles havia mudado. A conexão ainda era a mesma. A troca de olhares, as carícias. Um largo sorriso brotou em seus lábios com esse pensamento, e ela o aconchegou mais em seu colo.
Seus cabelos estavam maiores, ela pensou enquanto enterrava seus dedos neles, acariciando-lhe o couro cabeludo. Ele estava com uma aparência mais velha, mas seu sorriso continuava o mesmo: um pouco mais repuxado para a esquerda e (sempre) se estendendo para os olhos, transformando-os em pequenas fendas luminosas. As carícias em sua barriga pararam e ela sentiu a perna dele fugir do contato com as suas. Perguntou-lhe o que tinha acontecido.
"Tenho que te falar, realmente precido te falar.. Eu vou embora daqui. Não voltei para ficar, voltei para poder ir de novo. Desta vez definitivamente."  Ele cuspiu, antes mesmo que se passasse um milésimo de segundo.
'Definitivamente'. Foi a única palavra que ela absorveu. Ele detestava essa palavra e nunca a usaria em uma brincadeira. Então não era uma brincadeira?! Ele partiria mais uma vez e desta vez para sempre. Definitivamente?
"Você não está respirando, pequena!" ele a lembrou. Anos depois, ela leria essa mesma frase em um  livro, um romance adolescente bobo, e pensaria nele.. Pensaria que naquele dia ela realmente não queria se lembrar de respirar. Pensaria que no momento em que ele pronúnciou a palavra definitivamente, todos os sonhos dela tinham sido jogados no ralo, e que a partir daquele instante, sua vida não passara de um monte de amarguras e falsas esperanças.
Ela não chorou! Seus olhos estavam secos quando ele levantou a cabeça e os olhou. "Me desculpe, pequena" ele disse, com os olhos marejados. Ela queria dizer que não havia nada para desculpar, mas sua boca também estava seca (sua alma estava seca). Ela se levantou. Ele tentou segurar suas mãos. Ela se desvencilhou. Desceu as escadas da casa dele, e lá embaixo ainda podia ver os vestígios da festa da noite anterior. A festa de despedida (agora, ela sabia). Saiu da casa e foi se sentar na calçada, precisava mesmo respirar. Não soube quando começara a chorar, mas seu rosto estava coberto com grossas lágrimas quando o enterrou nas mãos.
Não sabia quanto tempo tinha passado, só soube que tremia quando os braços dele a envolveram.
"Me desculpe, pequena"
Ela o olhou por entre as lágrimas que ainda caiam em abundância de seus olhos e o abraçou.
E os dois ficaram assim, durante.. não sei ao certo.. uma eternidade, talvez.

* Foto: A Noite Estrelada  (Starry Night ) - Vincent Van Gogh